Artigo de opinião, de Henrique Sánchez, Presidente da UVE, publicado a 10 de dezembro de 2020, pela GreenFuture AutoMagazine, sobre os veículos Híbridos Plug-In e como estes são uma porta de entrada para a Mobilidade Elétrica.
A Federação Europeia de Transportes e Ambiente (T&E – Transport & Environment) publicou, no passado mês de novembro, um relatório sobre os veículos híbridos plug-in (PHEV – Plug-in Hybrid Electric Vehicle) sob o título ‘Híbridos Plug-in: está a Europa a caminho de um novo desastre?’ (título original: ‘Plug-in Hybrids: is Europe heading for a new dieselgate?’). Este estudo coloca-nos perante um conjunto de questões que devemos analisar.
O estudo foca-se numa utilização generalizada, incorreta e deficiente, do veículo híbrido plug-in que, podendo verificar-se, não é a norma, pois existem muitos exemplos que nos demonstram precisamente o contrário, com o PHEV a ser utilizado da forma para a qual foi concebido: utilização elétrica em meios urbanos para trajetos diários pendulares casa-trabalho e utilização do motor de combustão interna para viagens mais longas de fim de semana ou de férias.
Podemos fazer uma comparação com um veleiro. Um veleiro é também um ‘veículo híbrido’: funciona com a energia do vento utilizando as suas velas e também possui um motor de combustão interna para manobras de entrada e saída dos portos de abrigo, das marinas e para situações de emergência, quando a falta total de vento ou a quebra de um mastro o obrigam a regressar ao porto de abrigo utilizando o motor de combustão interna.
Imaginemos que o utilizador decide navegar arraiando as velas e navegando apenas usando o motor de combustão. Não está a dar a correta utilização a este veículo/barco; está na mesma situação, descrita no estudo como a mais usual, o que não é fundamentado, de um condutor de um veículo elétrico híbrido plug-in que só conduza com o motor de combustão interna – estará a dar-lhe uma utilização incorreta e ineficiente.
Podemos até caricaturar. É o mesmo que alguém comprasse uma carroça e um burro, colocasse o burro sentado em cima da carroça e começasse ele próprio a puxar pela carroça com o burro sentado na mesma. Será eficiente?
Lembro-me da frase proferida pelo antigo treinador da seleção nacional de futebol, Scolari: “E o burro sou eu?”.
As notícias recentemente vindas a público, sobre os benefícios e incentivos que se destinam aos veículos elétricos híbridos plug-in, têm gerado alguma controvérsia. Existem dois tipos: Incentivo à Aquisição e Benefícios Fiscais.
O Incentivo pela Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, nome já desatualizado pois atualmente só os veículos 100% elétricos (e as bicicletas convencionais) se podem candidatar a este incentivo do Fundo Ambiental, mais conhecido por todos como Incentivo à Aquisição de um Veículo Elétrico, nome bem mais correto pois deste Incentivo estão excluídos os veículos híbridos plug-in. É o único incentivo direto à aquisição de um veículo elétrico e abrange os veículos ligeiros de passageiros e de mercadorias elétricos, os motociclos e ciclomotores elétricos, as bicicletas e as cargo-bikes elétricas, e as bicicletas convencionais.
Os benefícios fiscais podem ser de vários tipos: isenção ou redução parcial do Imposto sobre Veículos (ISV) e Isenção do Imposto Único de Circulação (IUC), comuns a particulares e às empresas; e a Dedução do IVA e a Poupança em sede de IRC, com valores máximos de aquisição para os híbridos plug-in de 50 000 euros (+ IVA) e para os 100% elétricos de 62 500 euros (+ IVA), exclusivos para as empresas.
Exemplo de poupança conseguida na compra de um veículo 100% elétrico, um veículo híbrido plug-in e um veículo com motor de combustão interna (benefícios fiscais exclusivos para empresas), para uma utilização de quatro anos:
Neste link poderá utilizar o “Simulador de auxílio à decisão de adquirir um ligeiro de passageiros para uma empresa (fonte: Jorge Silva, Neto, Ribeiro & Pinho, SROC, Lda.), Elétrico, Plug-in ou Combustão? qual adquirir?”, para o cálculo das poupanças.
Ao longo deste ano assistimos a um aumento significativo das autonomias dos veículos 100% elétricos e da capilaridade e expansão das Redes de Carregamento para Veículos Elétricos, seja a Rede Pública de Carregamento Normal ou a Rede Pública de Carregamento Rápido, com o aumento da potência de carregamento e consequente diminuição dos tempos de carga.
Começam a dissipar-se as preocupações de quem adquiria um veículo 100% elétrico, quer fosse a autonomia ou a rapidez de carregamento na Rede Pública de Carregamento, razão pela qual a UVE defende que os benefícios fiscais sejam gradualmente transferidos dos híbridos convencionais e dos veículos híbridos plug-in para os veículos 100% elétricos, favorecendo e acelerando cada vez mais a eletrificação do parque automóvel em Portugal. Esta transformação deve ser um processo gradual e ter sempre presente a aceleração da eletrificação dos transportes, seja individual ou coletivo, público ou privado, da mobilidade dos humanos potenciando a transição energética da nossa economia. Esta transição dos benefícios que defendemos, enquanto Associação de Utilizadores, contribuirá naturalmente para que os veículos híbridos plug-in tenham menos propensão a ser adquiridos por razões de índole mera ou exclusivamente fiscal, o que inequivocamente também levará a um uso mais correto e eficiente dos mesmos.
A proposta, recentemente aprovada no âmbito da discussão na especialidade do Orçamento de Estado 2021, sobre a Taxa de ISV a aplicar aos híbridos convencionais e aos híbridos plug-in, assim como sobre a Taxa de Tributação Autónoma a aplicar em sede de IRC, são medidas com as quais a UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos concorda, pois, nos caso dos híbridos convencionais (não considerados veículos elétricos por não possuírem a capacidade de carregamento através de uma tomada) obriga-os a terem uma autonomia mínima de 50 quilómetros em modo elétrico e umas emissões máximas de 50 gCO2/km, limites que não existem na legislação em vigor; e, no caso dos veículos elétricos híbridos plug-in, aumenta o mínimo de autonomia dos 25 quilómteros para os 50 quilómetros e introduz pela primeira vez um máximo de emissões de 50 gCO2/km.
Em relação às Taxas de Tributação Autónoma em sede de IRC é também introduzido pela primeira vez mínimos de autonomia e máximos de emissões.
A simples extinção de qualquer incentivo ou benefício aos veículos elétricos híbridos plug-in ou 100% elétricos é uma mensagem errada que se transmite, contracorrente, pois ainda estamos longe da eletrificação do parque automóvel, sendo que os híbridos plug-in têm um papel a desempenhar nesta mudança, como veremos de seguida.
Veículo híbrido plug-in: “o pior de dois mundos” ou a porta de entrada para a mobilidade elétrica?
Os veículos elétricos híbridos plug-in, se por um lado representam “o pior de dois mundos”, pois acumulam o pior do motor de combustão interna (ineficiência, mais custos de utilização, mais despesas de manutenção, etc.) e o pior do modo elétrico (a pouca autonomia da bateria, especialmente nos híbridos plug-in), também têm sido a porta de entrada para muitas famílias que não encontram uma alternativa 100% elétrica adaptada às suas necessidades, quer em termos de espaço interior, número de ocupantes, capacidade de carga ou autonomia disponível, iniciando a sua eletrificação com a aquisição de um híbrido plug-in.
Através da sua correta utilização, usando o modo elétrico nas suas viagens pendulares casa-trabalho durante a semana e recorrendo ao motor a combustão para as viagens de férias ou de fim de semana, puderam confirmar, pela prática e pela sua própria experiência, as grandes vantagens da condução em modo elétrico em detrimento da utilização com o motor de combustão interna, muito mais agradável, suave, simples e eficiente, além dos menores custos de utilização e manutenção em oficina e peças.
Esta transição energética e a inerente eletrificação da mobilidade dos humanos deve exigir um esforço de todos os intervenientes:
- Os Construtores, que devem produzir veículos elétricos híbridos plug-in com baterias com maior capacidade e, portanto, que permitam mais autonomia em modo elétrico em detrimento da cilindrada dos motores de combustão interna;
- As Empresas, que devem promover o uso das suas viaturas em modo elétrico, quer premiando a quilometragem percorrida em modo elétrico em detrimento dos quilómetros percorridos com o uso do motor de combustão interna, assim como devem fornecer aos seus colaboradores cartões CEME (Comercializador de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica), tal como já o fazem para os cartões frota de combustíveis fósseis, devendo também disponibilizar a possibilidade de carregamento nas suas próprias instalações;
- Os Utilizadores, que devem fazer um uso correto dos respetivos veículos elétricos híbridos plug-in, usando o modo elétrico sempre que seja aconselhado e possível.
- O Estado, que deve manter os Incentivos e os Benefícios Fiscais aos veículos elétricos híbridos plug-in, podendo, de uma forma gradual, ir transitando parte desses incentivos/benefícios para os veículos 100% elétricos, mas nunca suspender ou diminuir os mesmos, pois seria uma mensagem errada dada a todos nós e ao mercado em geral.
A utilização correta dos veículos elétricos híbridos plug-in permite aos seus utilizadores e respetivas famílias, após a constatação dos enormes benefícios da condução em modo elétrico, a transição do veículo elétrico híbrido plug-in para o veículo 100% elétrico. É só uma questão de fazer as contas, mas também de ter em atenção as preocupações ambientais para que todos nós estamos, felizmente, muito mais despertos nesta fase de pandemia da COVID-19.
Os veículos elétricos híbridos plug-in são um passo importante e uma porta de entrada para a mobilidade elétrica, para um número cada vez maior de utilizadores, sempre e quando lhe seja dada a utilização para a qual foi concebido.
Tudo o resto, alterações de valores de emissões, informação incorreta, imprecisa ou negligente, poderão ser casos de polícia e como tal devem ser tratados.
Um desastre ambiental é o naufrágio de um petroleiro ou a explosão de uma plataforma de exploração petrolífera offshore, com impactos nefastos na natureza e no ambientem e que perduram anos; e não, de todo, o uso por vezes incorreto ou ineficiente de um veículo elétrico híbrido plug-in, como nos tentam fazer crer.
Henrique Sánchez
Henrique Sánchez é um dos Associados Fundadores e um dos dirigentes da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos.