“Estamos a viver tempos de mudança.” Está disponível a revista Blueauto de junho 2019, que celebra o seu segundo aniversário. Mensalmente é publicado um artigo de opinião, por parte do Presidente do Conselho Diretivo da UVE, Henrique Sánchez.
Henrique Sánchez
Presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos
Publicado na revista Blueauto – nº 22 – junho 2019
Estamos a viver tempos de mudança. De mudanças radicais não só na forma como nos movemos, nos deslocamos de um ponto para outro do território, mas também, uma autêntica revolução, na forma como produzimos a energia elétrica, imprescindível, para o grau de desenvolvimento já atingido pela Humanidade, como para mantermos e/ou atingirmos níveis de conforto dignos.
O carro elétrico é mais eficiente, tem melhores desempenhos, tem custos de utilização e de manutenção significativamente mais reduzidos, não tem emissão de gases tóxicos, de CO2, tão nocivos para a saúde dos humanos, como para o equilíbrio do clima, do que os carros com motores de explosão, sejam eles a gasóleo ou a gasolina.
Mas o carro elétrico é muito mais do que isso, pois utilizando as suas baterias para armazenamento da eletricidade, principalmente a produzida por turbinas eólicas, permite utilizar eletricidade verde para o carregamento dos veículos elétricos. Ao optar pelo carregamento noturno, quando o consumo energético decresce acentuadamente, fruto da redução da atividade laboral e comercial, permite reduzir ainda mais o custo do carregamento (em tarifa bi-horária noturna com uma redução do preço final da eletricidade que pode chegar aos 50%). Nos Açores, para além da energia eólica, é possível o aproveitamento da eletricidade verde produzida pelas centrais geotérmicas.
Este papel de equilibrador e de facilitador da gestão das redes elétricas será brevemente potencializado pelas capacidades que o carro elétrico tem de injetar eletricidade das suas baterias nas nossas casas ou mesmo na rede elétrica.
Existem exemplos pioneiros, a nível mundial, no Japão, no Reino Unido e em França.
Em Portugal já existem projetos a ser desenvolvidos como o que esteve presente no recente Encontro Nacional de Veículos Elétricos – ENVE 2019, em Torres Vedras, onde um carregador fabricado pela empresa portuguesa Magnum Cap esteve em exibição permitindo fazer a carga/descarga bi-direcional entre o carro elétrico, no caso o Nissan Leaf, e uma casa, loja, fábrica, etc.
Outro exemplo desta nova realidade é o que foi apresentado no Fórum da Mobilidade Inteligente, onde a Nissan em parceria com o Teatro Camões, em Lisboa, instalou um sistema da produção de eletricidade através de painéis fotovoltaicos com armazenamento em baterias usadas de automóveis elétricos da marca, possibilitando assim uma segunda vida às baterias, prolongando a sua vida útil, antes da sua reciclagem final.
Mais um exemplo real desta mudança de paradigma está a nascer na ilha de Porto Santo através de uma parceria entre a Empresa de Eletricidade da Madeira e a Renault, com a utilização dos seus carros 100% elétricos, o Renault Zoe e a comercial Renault Kangoo. Existe ainda a possibilidade de carregamento bi-direcional, permitindo injetar a eletricidade produzida pelos parques eólicos e pelos sistemas fotovoltaicos na rede, assim como o armazenamento da eletricidade nas baterias dos veículos elétricos.
Ao mesmo tempo estamos assistir a uma mudança na forma como produzimos a eletricidade, encerrando centrais a carvão, a combustíveis líquidos fósseis e até nucleares, como já decidiram países como a Alemanha e o Japão.
Podemos mudar de uma produção centralizada e afastada dos locais de consumo, que obriga ao transporte da eletricidade e dos combustíveis fósseis para a sua laboração, para uma produção local, utilizando painéis fotovoltaicos, descentralizada e muito mais próxima dos locais de consumo, cortando os custos de transporte.
Reduzimos assim os riscos de acidentes com consequências gravíssimas para os humanos e para os ecossistemas, como vimos em Chernobyl, em Three Mile Island e em Fukushima, no caso dos acidentes nucleares, mas também os inúmeros acidentes com petroleiros, em plataformas de exploração petrolífera, a mais terrífica a de Deepwater Horizon no golfo do México.
A descarbonização da economia e a eletrificação dos transportes, permitirão inverter o rumo atual dos acontecimentos: agravamento das alterações climáticas, proliferação dos desastres ambientais, aumento da temperatura média do planeta, degelo, incêndios gigantescos cada vez mais frequentes, inundações, tornados, etc.
Esta urgência da descarbonização dos transportes, quer privado, quer público, individual ou coletivo, visa a redução do consumo dos combustíveis fósseis. Tal como a redução dos níveis de poluição atmosférica e sonora nas grandes áreas metropolitanas, responsáveis pelo aumento das doenças do foro respiratório e pela perda de audição dos habitantes das cidades.
Portugal não tem petróleo nem gás, mas tem sol, vento, rios e mar, podendo gerar a eletricidade que necessita através de fontes renováveis, seja a fotovoltaica, a eólica, a geotérmica ou a hídrica. Podemos como país, reduzir o défice da balança comercial com o exterior, utilizar as potencialidades endógenas do país e armazenar essa eletricidade verde no parque automóvel eletrificado, utilizando as baterias como acumuladores.
O carro elétrico não é uma moda, é um fator determinante para a mudança imperativa e para este novo paradigma, fazendo face aos perigos do atual modelo de desenvolvimento, baseado nos combustíveis fósseis, que ameaçam toda a Humanidade.
A Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos – UVE, e eu próprio, congratulamos a revista BlueAuto pelo seu segundo aniversário e por todo o empenho demonstrado na divulgação da mobilidade elétrica em Portugal. A toda a equipa, parabéns !!