A UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, reuniu-se com a ERSE para discutir o Regulamento da Mobilidade Elétrica (RME), disponível desde 19 de julho de 2019 para consulta pública.
Para além do debate sobre os temas mais pertinentes incluídos no RME, a UVE aproveitou para apresentar as suas notas relativas ao Regulamento da Mobilidade Elétrica e submeter as mesmas junto da ERSE.
Pode consultar a versão em PDF, aqui.
Notas sobre a proposta de Regulamento da Mobilidade Elétrica 2019
Com base numa consulta interna e em reuniões de trabalho sobre a proposta em consulta pública do Regulamento da Mobilidade Elétrica, a UVE elaborou este documento onde detalha as situações em que, no seu entender, a proposta deve ser revista.
O documento está organizado pelos vários temas, sendo em cada um deles dado um pequeno enquadramento e a proposta de alteração da UVE com a respetiva explicação do racional.
Metodologia de cálculo e valores mínimos de garantias
A ERSE decidiu colocar garantias financeiras nos vários intervenientes privados da mobilidade elétrica para que exista a confiança no sistema, onde a falta de pagamento por um dos intervenientes não tenha um efeito dominó nos restantes.
Sendo o CEME um elemento agregador e com obrigações de pagamento a diversas entidades é correto que o valor da garantia mínima destes seja o mais elevado. Podemos ver a situação em que na ausência destas garantias um CEME poderia deixar de pagar a taxa de operação dos OPC e estes rapidamente ficariam numa situação financeira vulnerável. Neste caso o valor mínimo de 100 mil Euros para cobrir 4 meses de operações parece-nos correto numa fase inicial.
Já para os OPC e DPC os valores são para a UVE excessivos e indiciam encargos por ponto de carregamento (e não posto como mencionado na proposta de RME) extremamente elevados e a nosso ver incomportáveis para a sobrevivência destes intervenientes. No caso dos OPC e DPC os únicos encargos destes são para com a Entidade Gestora da Mobilidade Elétrica (EGME), pelo que um encargo mensal mínimo de 500€ e 50€ por ponto no caso dos OPC e DPC, respetivamente, para com a EGME é extremamente elevado e pressupõe uma elevada utilização dos postos que sabemos não existir neste momento e que nunca existirá se estas taxas existirem e forem diluídas no custo a cobrar aos clientes.
Existe ainda uma diferença muito substancial na utilização da rede da EGME entre os Postos de Carga Rápida (PCR, acima de 22kW) e os Postos de Carga Normal (PCN, 22kW ou menos). A rotatividade e a energia carregada num PCR é muito superior à de um PCN e por isso não é justo que um PCN pague, e consequentemente tenha como garantia mínima, o mesmo valor que um PCR.
No caso dos DPC, a questão é ainda mais crítica, pois a sua utilização principal será em condomínios, onde deverá ter mais valias suficientes para compensar a simples partilha de custos entre condóminos. O valor da taxa EGME deverá ser muito baixa neste caso para que o modelo faça sentido, refletindo também uma muito menor utilização da rede da EGME que os restantes casos.
Assim, a proposta da UVE é que os valores de garantias mínimas dos OPC e DPC tenham os seguintes valores:
- OPC em PCN: 50€ mensais, 200€ garantia mínima em 4 meses.
- OPC em PCR: 200€ mensais, 800€ garantia mínima em 4 meses.
- DPC: 5€ mensais. 20€ em 4 meses
De notar que estes são valores mínimos, sendo o valor rapidamente ajustado ao fim dos primeiros 4 meses a um valor eventualmente superior para os postos com mais utilização.
Como nota adicional, a UVE entende que na fase inicial de afirmação da mobilidade elétrica os custos com a EGME devem ser totalmente financiados pelo estado. Isto permite que não seja colocado um peso demasiado elevado para a ainda pequena rede pública de carregamentos, com uma pequena diluição do valor global pelo reduzido número de pontos de carga. Quando o número de pontos de carga for grande o suficiente para que o valor por posto seja reduzido é que deverá gradualmente ser repercutido nos agentes do sector o custo com a EGME.
Medição
Existem dois pontos de medida de energia nos locais onde estão os pontos de carga. A montante está o ponto de ligação à rede (RESP) e a jusante, em cada ponto de carga, a medição da energia fornecida aos veículos. Deste modo é possível cobrar apenas a energia fornecida aos veículos pagando o OPC a energia e a potência para o funcionamento dos equipamentos líquida da energia e potência utilizada no carregamento dos veículos.
No ponto 1 do artigo 49 é mencionado que os equipamentos de medição devem cumprir com o GMLDD, guia este que apenas contempla equipamentos de medição em corrente alternada (CA) conforme indicado na nota explicativa da ERSE sobre a proposta de RME. Assim, todos os novos postos instalados devem apenas medir eletricidade em CA, mesmo aqueles que fornecem eletricidade em corrente contínua (CC). É estabelecido até um regime transitório para os carregadores equipados com medição em CC alterarem estes equipamentos de medida por outros de acordo com o GMLDD. Sendo o bem (energia elétrica) fornecido em CC, a sua medição em CA terá de ser realizada a montante do conversor CA/CC, o que implicará a medição além da energia efetivamente fornecida ao veículo também a energia perdida na conversão entre as duas formas de corrente. Este é um custo oculto que o utilizador não poderá saber à partida, variando de posto para posto a sua eficiência. A UVE entende que as ineficiências da conversão devem ser pagas pelo OPC e refletidas no seu preço afixado no local, e não pagas ao CEME sem qualquer controlo do seu valor por parte do utilizador.
Em conversa com agentes do setor a razão pela qual não é possível a medição em CC é porque não existem normas oficiais que definam os requisitos de qualidade e precisão destes equipamentos. Isto impossibilita que numa fase comercial isto possa acontecer pois os equipamentos não podem ser inspecionados segundo alguma norma oficial. No entanto, devido à necessidade do mercado, estão a ser desenvolvidas normas para equipamentos de medição em CC. Assim, a UVE reclama que seja incorporado no GMLDD a medição em CC assim que sejam tornadas oficiais normas para a medição em CC. O RME deve indicar que assim que o GMLDD possibilite as medições em CC, todos os postos de carregamento com fornecimento de energia em CC devem transitar para equipamentos de medição em CC num prazo máximo de 12 meses.
Relativamente aos tempos de medição é indicado que estas se tornam oficiais após 3 dias úteis. Isto impossibilita serviços de pagamento em tempo real, pois o CEME poderia estar a cobrar um valor desajustado da realidade. A UVE considera que o tempo de medição da energia fornecida aos veículos deve ser dada em tempo real pelo OPC à EGME e desta aos CEME, algo que em muitas situações já acontece. O RME deve colocar essa obrigatoriedade pois é necessária para serviços de pagamento com TPA ou com cartões pré-pagos, algo que se torna fundamental para que clientes estrangeiros possam utilizar a rede.
Resolução de incidentes
Existem tempos máximos de resposta para falhas dos OPC, CEME e EGME, no entanto estes tempos máximos apenas servem para gerar dados estatísticos. Mesmo aceitando que a publicação destes dados tenha um efeito positivo na minimização das falhas a UVE entende que em algumas situações deverá haver uma compensação aos utilizadores pelas falhas.
Assim a UVE propõe o seguinte:
- Todas as situações em que exista um cabo bloqueado por culpa do OPC com um tempo de resolução acima de 60 minutos após o primeiro reporte implicam que o OPC não poderá cobrar por este serviço de carregamento;
- Sempre que existam falhas gerais na rede da EGME superiores a 60 minutos os UVE devem poder continuar a carregar, ficando os dados de autenticação do lado do OPC até serem reestabelecidas as comunicações. O risco no caso de serem iniciadas sessões com cartões indevidos deve ficar do lado da EGME e estes custos não podem ser recuperados futuramente nas tarifas da EGME aos CEME/OPC/DPC, sendo assumidas como prejuízos;
- Todas as ações de manutenção programada da rede, sistemas ou equipamentos, tomadas a cabo pela EGME ou entidades subcontratadas desta, devem ser obrigatoriamente anunciadas com uma antecedência de pelo menos 48h no portal da EGME e por mailing-list aos UVE registados na plataforma de gestão.
- É importante distinguir estaticamente as falhas gerais da rede EGME programadas e as não programadas. Apesar de terem um impacto naturalmente negativo no funcionamento, as falhas que tenham um tempo de aviso superior a 48 horas, publicadas no portal da EGME, são muito menos nefastas para os utilizadores do que falhas inesperadas. Naturalmente que no caso em que o tempo da falha seja superior ao anunciado esta deve ser considerada como falha não programada.
Tarifa de Acesso às Redes
A proposta de RME inclui a diferenciação da Tarifa de Acesso às Redes a pagar pelo utilizador consoante a ligação à RESP seja feita por BT ou MT, tendo um valor mais favorável neste último caso por não utilizar a rede de distribuição em BT.
Esta diferenciação é justa, no entanto a maneira como é implementada pode acabar por não favorecer o utilizador e claramente não favorece os OPC que optam por fazer as suas ligações em MT, tendo mais encargos com a instalação por terem de adquirir, instalar e gerir um Posto de Transformação (PT).
O modelo atual de pagamento da TAR é através do CEME, no entanto este não é obrigado a diferenciar na sua oferta de energia a TAR das restantes componentes do preço da eletricidade. O modelo mais comum é o CEME apresentar um custo por kW.h que inclui todas as taxas, o que torna a oferta mais simples mas com a TAR a variar consoante o posto fará com que nos casos em que a TAR seja mais baixa a diferença fique como lucro para o CEME e não para o OPC que é quem efetivamente teve de investir na ligação à rede de MT.
Uma maneira simples de tornar mais transparente o processo seria obrigar o CEME a separar o seu custo da energia da TAR e assim o utilizador seria beneficiado nas situações em que a TAR fosse menor. Isto tem a grande desvantagem de tornar o modelo mais complexo ao nível da apresentação dos tarifários CEME e continua o OPC a não ver o seu investimento recompensado pois o utilizador não tem maneira simples de à partida saber qual a TAR que irá pagar.
Assim a UVE propõe duas soluções, sendo estas apresentadas por ordem de preferência:
1. ) A opção preferencial será beneficiar os OPC que fizeram o investimento numa ligação em MT:
– O CEME cobra sempre a TAR de BT ao cliente final;
– Os OPC facturam aos CEME além do serviço de carregamento a diferença entre a TAR de MT e a de BT nos postos com ligação em MT.
Isto permite que os OPC possam rentabilizar o seu investimento obtendo mais retorno ou então baixando o custo do seu serviço de carregamento para se tornarem mais competitivos face aos OPC com ligação em BT.
2. ) Não existe TAR de MT, sendo a TAR da Mobilidade Elétrica estabelecida pela ERSE tendo em consideração o número de ligações em MT e BT. Isto fará com que a TAR da ME tenha um valor intermédio entre a atual TAR da ME em BT e a TAR da ME em MT.
Este modelo é cego para com o esforço dos OPC mas beneficia os utilizadores como um todo.
Lisboa, 30 de agosto de 2019