e-Viagem: Viajar para Portugal num carro elétrico!

Uma crónica fantástica desde os Pirinéus franceses até ao Algarve a bordo de um Hyundai 100% elétrico.

(English version)

No ano passado visitámos Espanha, que foi a nossa primeira viagem de longa distância desde que adquirimos um Hyunday Kauai. Estando consciente das dificuldades de carregamento durante a viagem, comecei a prepará-la bem logo de início. Fundamental para ajudar nessa abordagem, existe um sítio de internet chamado abetterrouteplanner. Esta página de internet é mantida por um grupo de entusiastas da mobilidade elétrica e permite introduzir todas as informações que podem interferir no desempenho do seu veículo elétrico, numa viagem de longa distância. Introduzem-se os detalhes do veículo, a temperatura esperada, se vai haver chuva ou estradas secas, etc. O “site” providencia o melhor trajeto, o mais “amigável” para o seu veículo elétrico, que o levará até ao seu destino, tendo em consideração todos os pontos de carga pelo caminho, paragens, mudanças de relevo, etc. É realmente bom, mas não é “à prova de bala”, já que não aparenta saber o estado dos postos de carregamento, e é então prudente verificar as paragens sugeridas com uma aplicação alternativa. Geralmente uso a Chargemap, mas para Espanha também uso a Electromaps e, para Portugal, a Miio passou a ser favorita. Verificar os comentários dos utilizadores que por lá passaram, ter a certeza que os carregadores que se planeou usar não estão fora de serviço, especialmente quando não se tem uma alternativa suficientemente perto. Em Portugal, a Miio tem acesso em tempo-real à rede Mobi.E, um “must use”, na minha opinião.

Este ano, decidimos fazer uma “escapadela” de última hora até ao Algarve, outro novo destino para nós no nosso veículo elétrico. Nas viagens longas precedentes, tive meses de planeamento mas, para esta viagem, só tive duas semanas. Comecei a planear o trajeto e tudo parecia mais ou menos normal em Espanha, mas, para Portugal, deparei-me com dificuldades para encontrar forma de poder pagar os carregamentos. Depressa me apercebi que a Mobi.E estava envolvida na rede de carregamento e, numa primeira impressão, os seus carregadores estavam em regime de carregamento gratuito, pelo menos se usassem a aplicação da Mobi.E. Eventualmente, acabei por me aperceber que apenas os Postos de Carregamento Normal (PCN) (*) – 7 kW para o nosso veículo -, eram gratuitos. Os Postos de Carregamento Rápido (PCR) (50 kW) já são cobrados. E agora, como os pagar?

Deparei-me com um artigo em insedeevs acerca das dificuldades na utilização de veículos elétricos em Portugal e decidi enviar uma mensagem ao autor, que muito simpaticamente me colocou em contacto com a UVE. Contactei o Sérgio Mendes da UVE, que prontamente me respondeu dando-me informações sobre como carregar nos postos de carregamento rápido. Aparentemente teria que fazer uso de um cartão RFID para os poder ativar, pois não há nenhuma aplicação ou outra forma de poder pagar.

Os postos de carregamento rápido (PCR) são geridos pela Mobi.E mas, para obter um cartão RFID, temos de realizar um contrato com um Comercializador de Energia para a Mobilidade Elétrica (CEME). Comecei a pesquisar como fazer isso, pois existem 6 comercializadores de energia em Portugal, enviei e-mails a alguns deles e assim foi. Devia ter uma conta bancária em Portugal e, em alguns casos, um endereço no país, também.

A primeira que respondeu foi a Evaz Energy, um negócio gerido por uma família (a EDP também respondeu, passados alguns dias mas já demasiado tarde para realizar qualquer coisa com eles).

Eles conseguiram fornecer-nos um cartão RFID e podíamos usar a nossa conta em França para o débito direto que todos os comercializadores exigem. Não estava lá muito contente em saber que tinha de efetuar um débito direto com uma entidade estrangeira, por isso comecei a procurar forma de fazer a viagem sem usar os postos de carga rápidos portugueses. Na realidade, havia um trajeto que nos levava ao nosso destino mas levava pelo menos mais 90 minutos e requeria o uso de outra aplicação para habilitar o carregamento. Também estava preocupado, pois como tínhamos de conduzir muito em Portugal, conseguiríamos desenrascar-nos sem o acesso aos PCR? Adicionalmente, eu não pensava que, com apenas 10 dias até começar a viagem, haveria tempo para configurar um débito direto (os bancos franceses não são propriamente rápidos relativamente a isso) e ter o cartão a tempo. Enviei um e-mail à Eva, o contacto com quem falei no início do processo e ela estava confiante que a solução iria funcionar. Preenchemos o contrato e enviámos-lhe por e-mail. 3 dias depois, o cartão RFID chegou. Que bom serviço!

Dia 1

Refiz o planeamento da nossa rota tendo agora o novo cartão RFID português em mente. Vivemos nos Pirenéus franceses, a 1365 km de distância até ao nosso destino. Pernoitámos num hotel em Salamanca com carregamento incluído (é sempre bom ter um carregamento a 100% durante a noite). Isto significou ter de fazer 2 paragens com carregamento, logo no primeiro percurso mais 2 paragens no segundo. Com o alcance do nosso veículo, normalmente só teria de fazer uma paragem para carregamento, pois o intervalo entre os carregadores em Espanha e Portugal não permitiria fazer isto.

A primeira paragem estava programada para ser no único carregador ultrarápido da Repsol (350 kW), o nosso veículo é capaz de carregar até 77 kW, logo eu estava mentalizado para usar este carregador e obter uma boa carga rápida. Infelizmente, algo correu mal com aquele carregador, e apenas conseguimos obter uma potência de carga de 35 kW, apesar de ter mudado para outro stall (eles têm 4 stalls, outra razão para ter querido parar lá). Isto significou que o carregamento durou pelo menos 2 vezes mais do que aquilo que tinha planeado. Também devido ao seu preço elevado para o carregamento ultra rápido (0,446 €/kWh), acabámos por pagar 30 € pelo privilégio. A próxima paragem para carregamento estava prevista para ser em Valladolid, mas sabendo que tínhamos de usar um carregador Wenea durante o segundo percurso, o qual não conseguimos pôr a funcionar, quando precisámos o ano passado. Decidimos parar num carregador Wenea mais próximo para testar se estes iriam funcionar.

Este foi o primeiro carregador que encontrei e tinha as fichas presas, e é necessário usar a aplicação deles para carregar e, por mais tentativas que fizesse, não se conseguia desbloquear a ficha. Liguei para o suporte mas, sem falar espanhol, e com o inglês limitado deles, desistimos e fomos para Valladolid onde viemos a encontrar um carregador rápido da Iberdrola escondido a um canto de um parque de estacionamento. Este carregador funcionou bem da primeira vez com a aplicação deles, e ficou um remanescente da nossa viagem do ano passado, pelo que tínhamos ainda algum crédito disponível. A única irritação com o sistema deles, incluindo com o da Wenea, é termos de especificar a quantidade de kWh para o carregamento e calcular este valor no momento quando estamos cansados. Pode parecer um pouco “ao calhas”… pois nós preferimos chegar, ligar a ficha e carregarmos até à percentagem que pretendemos usar até chegar ao próximo carregador.

A próxima paragem seria Salamanca onde planeámos ficar durante a noite. O hotel tinha 2 Tesla Destination Chargers, ligámos ao primeiro, a porta de carregamento acendeu uma luz vermelha e recusou começar o carregamento. Tentámos o segundo, também acendeu a luz vermelha mas depois de uns momentos, passou a verde e lá começou o carregamento. Parece que o primeiro era especificamente para veículos da marca Tesla. Ter em atenção que os carregadores são idênticos**.

Começar o próximo dia com um carregamento a 100% é uma ótima sensação; é igualmente bom que a bateria faça um carregamento AC lento/normal a 100% pois permite ao BMS (Battery Management System) verificar que todas as células da bateria estão balanceadas, este tipo de carregamento é o único que permite fazer esta verificação e balanceamento.

Dia 2

A segunda paragem do dia estava prevista para ser em Cáceres, noutro carregador Wenea. Devido às falhas das duas vezes anteriores com estes carregadores, enviei-lhes um e-mail a perguntar como poderia obter um carregamento. Recebi prontamente uma resposta que sugeria que haveria com certeza alguém perto para nos ajudar caso fosse preciso. O que apreciámos foi um dos escritórios da Wenea estar baseado em Cáceres, no campus universitário, onde está localizado o carregador.

Chegámos a um parque bastante cheio de carros e um Zoe estava parqueado num dos lugares mas o outro estava livre. Para além de estar muito apertado, assim que estacionei vi que o Zoe estava aberto e pensei – “boa, é o proprietário que vai sair” e peguei na ficha para ligar, mas não, era o técnico da Wenea com quem falei no dia anterior; estava lá para se certificar que nós conseguíamos realizar a carga, já que levou várias tentativas. Penso que houve algumas falhas, uma vez que a aplicação deles requer que se mantenha em funcionamento e próximo do carregador, poderá ter falhas se houver uma fraca comunicação; adicionalmente, é necessário abrir a sessão antes de ligar a ficha ao carro. Após 3 tentativas, lá começou a carregar, que alívio.

O próximo carregamento seria em Évora com o cartão ainda não testado da Evaz. Para o caso de não funcionar, carregámos o suficiente em Cáceres por forma a termos um excedente de 125 km de alcance, embora insuficiente para nos levar para o destino. Pelo menos dava para nos levar a um posto de carregamento normal, longe do ideal, pois só se podem obter 7 kW de carga no máximo, ou seja, quase 10% de carga para uma hora. Iria levar uma “eternidade”, mas se tudo falhasse… O carregador em Évora está localizado numa bomba de combustível da Repsol, por isso tinha as comodidades que normalmente se esperariam e que, infelizmente, os postos da Wenea não tinham.

Com uma mão nervosa, lá pus o cartão RFID no devido local, no carregador, e imediatamente disse que estava a ser validado. De seguida perguntou qual o tipo de ficha, seleccionei a CCS e liguei ao carro. Dentro de poucos segundos ouvimos os confortantes “cliques” do carro e do carregador que faz quando tenta iniciar o carregamento e começou realmente a carregar. Dentro de poucos momentos, mostrava uma potência de carregamento de 46 kW, bastante para um carregador de 50 kW, o alívio foi imenso! Sentei-me no carro e enviei um e-mail à Eva fazendo saber e agradecer pelo seu apoio e esforço ao nos enviar o cartão tão rapidamente.

Temos agora carga mais do que suficiente para nos levar ao nosso destino, e como estávamos um pouco adiantados no tempo, visitámos outro carregador rápido a 10 minutos da nossa estadia, uma estação de serviço da Galp. Tudo correu bem novamente.

Tínhamos programado previamente com os nossos anfitriões uma tomada para podermos ligar o nosso “EVSE da avó”. Sim, são dolorosamente lentos mas, se estamos a conduzir 200 e tal quilómetros por dia, carregar durante a noite pode atestar o nosso veículo perfeitamente. Apenas considerar deixar alguma gorjeta para compensar a energia usada no carregamento.

Tendo conduzido com o nosso veículo elétrico por alguns países e, para além da chatice em obter um cartão RFID, Portugal está definitivamente na direção certa.

A Miio mostra muitos pontos de carregamento em instalação. O meu comentário (aquilo que me parece) seria instalar carregadores ultrarrápidos. E também seria muito mais “adequado ao futuro” ter múltiplos stalls. Isto não só permite ter uma maior possibilidade de não ter de esperar por um carregador, mas também para os casos em que há uma alternativa próxima perante a avaria de determinado carregador.

Quando chegares ao teu destino, relaxa com um copo de vinho e uma vista do pôr-do-sol, vale tudo a pena!

A UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos gostaria de agradecer ao autor deste artigo pelas suas amáveis palavras, fotografias e tempo precioso para partilhar a sua experiência de condução com a comunidade portuguesa de utilizadores de veículos elétricos. Novamente, muito obrigado e esperamos que apreciem o nosso país! Cremos que dentro de poucos meses a rede de carregamento normal e rápido seja atualizada e que viajar para Portugal seja fácil e sem preocupações!


* apenas os PCN da rede pública. Na via pública, e alguns dos parques privados de acesso público são ainda gratuitos. Quase todos os postos de carregamento normal que estão dentro de parques privados de acesso público (centros comerciais, etc) são já pagos.

** geralmente, quando há mais do que um Tesla Destination Charger, a cor das placas indica a possibilidade de carregamento a veículos de todas as outras marcas. A cinzenta permite, normalmente, o carregamento a todas as marcas de veículos; a vermelha é exclusiva a veículos Tesla.