O Estado da Rede – A Incerteza Instalada (Parte 1)

Artigo da UVE – Associação de utilizadores de Veículos Elétricos, publicado na edição nº 87 da revista Blueauto de janeiro de 2025, com a 1ª parte do Manifesto UVE, publicado a 15 de janeiro de 2025, intitulado “O Estado da Rede – A Incerteza Instalada“.


Em 2025 a UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, faz dez anos de existência, um percurso com vários pontos altos, e um orgulho enorme em contribuir para o crescimento da mobilidade Elétrica em Portugal. Ao longo destes 10 anos de existência, várias intervenções foram sendo feitas sobre a situação em que a nossa rede de carregamento e modelo de Mobilidade Elétrica se encontra.

Fizemo-lo fortemente em julho de 2019, quando passavam três anos sobre um novo arranque do projeto de Mobilidade Elétrica em Portugal, mas os projetos e intenções teimavam em não chegar ao terreno e corriam os dias sombrios dos “apagões” na rede de carregamento. Fruto de um trabalho coletivo desenvolvido a partir desse primeiro manifesto do Estado da Rede, a situação evoluiu positivamente na maior parte dos pontos assinalados e hoje são outras as preocupações que temos de enfrentar.

Infelizmente, assistimos a um novo momento muito complicado para a nossa rede de carregamento e modelo de mobilidade elétrica. Desde abril de 2024 a tutela mostrou publicamente por diversas ocasiões a intenção de modificar o atual modelo de mobilidade elétrica em Portugal. A entrada em vigor do AFIR – regulamento europeu relativo à criação de uma infraestrutura para combustíveis alternativos – no dia 13 de abril de 2024, é sem dúvida uma oportunidade para revisitar a legislação Portuguesa da Mobilidade Elétrica e proceder aos ajustes necessários. A UVE apresentou as suas propostas perante a tutela, no sentido da evolução e adaptação do atual modelo – soluções que já foram tornadas públicas.

No entanto, as declarações da tutela foram num sentido de alterações mais profundas, sugerindo o fim do modelo de rede atual e não a sua evolução e melhoria. Desde junho de 2024, temos assistido a compromissos de datas que são adiadas e canceladas por parte da tutela, até ao momento atual onde não existe qualquer ideia ou compromisso de conclusão do trabalho que está a ser executado.

E é neste estado que nos encontramos no presente momento: dúvidas nas verdadeiras alterações que a tutela pretende levar a cabo, que instalaram um clima de incerteza em todos os agentes de mercado, principalmente nos Operadores de Pontos de Carregamento e nos Comercializadores de Eletricidade para a Mobilidade Elétrica. Num setor de forte investimento a incerteza é o nosso pior inimigo. Não haver decisão, mas continuarem a ser dados sinais de alterações profundas sistematicamente, não promove a estabilidade, cancela os investimentos e desenvolvimentos, e promove a estagnação de decisões importantes.

Portugal bate recordes de vendas e quota de mercado nos veículos elétricos, mês após mês, em claro contraciclo com a média europeia. Somos apontados como um caso de estudo a nível mundial – países como a Alemanha lançam concursos públicos que seguem o padrão do modelo português, e um acórdão do tribunal europeu indica a necessidade de um caminho de separação entre o serviço e a eletricidade vendida num ponto de carregamento. Os operadores com grandes hubs de carregamento, um pouco por toda a Europa, lutam por uma solução que permita a viabilidade dos seus investimentos. Os utilizadores europeus reclamam por uma verdadeira rede interoperável que promova um custo acessível e contra uma coleção de subscrições paralelas de redes de operadores.

Ainda assim, em Portugal decidimos não olhar para o nosso sucesso e colocar tudo em causa, lançando-nos para um ponto de onde vários países europeus tentam sair, em vez de acelerar a melhoria do modelo, resolvendo os problemas que existem. O nosso modelo de mobilidade elétrica assenta num largo número de detalhes que o tornam, é verdade, único. Alguns desses detalhes podem e devem ser melhorados, mas conseguimos algo de que nos devemos orgulhar e não “inviabilizar” porque somos únicos.

Felizmente, apesar das dúvidas, muitos operadores não hesitam e continuam a sua aposta. A rede de carregamento pública trava uma batalha com os mais de 8.000 veículos que chegam ao mercado mensalmente. O investimento privado tem conseguido manter as nossas metas acima dos objetivos definidos pelo AFIR, com as dificuldades a aparecerem do lado da burocracia e nunca da falta de investimento privado.

A recente proposta e consequente consulta pública nº 123 da ERSE possuía a visão de resolução de problemas existentes, mas também de facilitar futuras alterações drásticas no modelo. Felizmente a proposta foi abandonada, fruto das quase 95% de opiniões contrárias à sua aplicação.

O estudo “Concorrência e Mobilidade Elétrica em Portugal” da Autoridade da Concorrência, com muitas ideias positivas, acaba por perder a sua utilidade ao defender uma junção cega e sem exceções da operação com a eletricidade. Não conseguindo manter a sua sugestão inicial, igualmente devido às indicações que recebeu do setor, este estudo avança numa direção mirabolante de experiência seguida de um período de avaliação de impacto, num percurso de 3 passos até chegar ao seu objetivo final. Consideremos o que seria estarmos anos num processo de tentativa e erro, sem certezas do futuro e sem credibilidade no presente! Temos de compreender a atual dificuldade dos operadores do setor em implementar soluções de futuro, quando o futuro do sistema é incerto. Quando a tutela transmite uma ideia de alterações profundas, mas parece ficar surpresa pela reação negativa do mercado, deixa a incerteza adensar-se mês após mês. Estas dificuldades implicam sermos condescendentes neste período? Não! Há regras claras a seguir, não podemos desrespeitar o Utilizador, privando-o de soluções que há muito tempo deveriam existir.


Se algo aprendemos nos últimos largos meses que parece definitivamente claro é que vender eletricidade para o carregamento de veículos elétricos não é como vender um café ou qualquer outro serviço que inclua a eletricidade como parte do seu conteúdo. O carregamento de um veículo elétrico obriga à criação de regras especificas para a venda dessa eletricidade, tem de estar profundamente integrado no setor elétrico, sob pena de criarmos mais problemas do que soluções ao tentar negar esta realidade.

Esperamos que não seja necessário dar dois passos atrás para dentro de 4 ou 5 anos voltarmos exatamente ao ponto onde estamos hoje. Hoje temos à nossa disposição informação global de toda a rede de carregamento pública, disponibilizada a todos que assim o pretendem. Foram gastos recursos de todos nós no desenvolvimento da plataforma da Entidade Gestora da Mobilidade Elétrica (EGME); já temos um Ponto de Acesso Nacional para onde converge toda a informação do carregamento público – e até algum privado – algo que não existe em nenhum outro país. Temos informação crucial para as decisões e avaliações necessárias, em tempo real. Isto não se pode perder! Porquê explorar outros caminhos se temos a solução “em casa”, em funcionamento e já otimizada?

Consulte a edição digital da Revista Blueauto, nº 87

Artigos relacionados


Mónaco 2024 – Um renovar de motivação e inspiração

Artigo publicado na revista Blueauto nº 86, de dezembro de 2024.


Manifesto UVE: O Estado da Rede – A Incerteza Instalada

A UVE divulga um novo Manifesto sobre o Estado da Rede, onde descreve o clima de incerteza, criado pela tutela, em torno das decisões que influenciam a Mobilidade Elétrica em Portugal.