O futuro é verde elétrico. Está tudo a acontecer

Textos originalmente publicados no semanário Expresso de 10 de setembro de 2021
Ana Baptista – Jornalista

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Desafios. A mobilidade elétrica evoluiu, mas ainda há obstáculos a ultrapassar. Um deles é o desconhecimento

O slogan criado por Fernando Pessoa para a Coca-Cola há quase 100 anos assenta bem no percurso da mobilidade elétrica em Portugal: “Primeiro estranha-se. Depois entranha-se.” Mas, ao contrário do refrigerante, que demorou mais de 50 anos a entranhar-se na sociedade portuguesa, a mobilidade elétrica levou menos de 10 anos para começar a destacar-se. Em parte por causa dos incentivos que o Governo dava — e ainda dá — à compra dos carros, mas também pela crescente preocupação com o ambiente, fruto do aumento das catástrofes naturais em número e violência. Claro que ainda é cedo para dizer que já se entranhou por completo, porque só 10% do parque automóvel português é elétrico (cerca de 80 mil carros, incluindo os híbridos). Mas há 11 anos só circulavam em Portugal os 20 Nissan Leaf que foram entregues ao Governo para uso oficial e agora já há 159 modelos de 30 marcas diferentes. E há quase três mil pontos de carregamento de acesso público, que carregam cada vez mais rápido, alguns em 10 minutos. E há baterias com autonomia para 400 km e até 700 km; e há carros ligeiros de mercadorias e carrinhas elétricas, não apenas citadinos.

A evolução é constante, rápida e até algo inesperada, mostrando que o paradigma da mobilidade está a mudar e que o futuro será (mesmo) todo movido a eletricidade. Por exemplo, há duas semanas, a Fnac anunciou que ia vender um carro elétrico, que pode ser conduzido por maiores de 16 anos e custa cerca de €8 mil. Esta semana, a Galp informou o mercado que tinha comprado a Mobiletric, uma operadora de postos de carregamento em Portugal; a Volkswagen revelou um novo modelo 100% elétrico, cujos revestimentos interiores são feitos de materiais biológicos, como cascas de arroz, e a Mercedes apresentou três novos modelos de luxo.

Há inovações todos os dias e os números estão sempre a mudar”, diz ao Expresso o presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), Henrique Sanchez. Até nas vendas os números continuam a crescer todos os meses. Segundo dados da UVE, as vendas de 100% elétricos e híbridos plug-in registaram um crescimento homólogo de 49,6% em julho de 2021, e nos primeiros seis meses do ano representavam 16% de quota de mercado. Mas em agosto, diz Henrique Sanchez, o crescimento homólogo foi de 54% e a quota de mercado do ano já está nos 16,5%.

Como diria a personagem da atriz Kate Hudson no filme “Quase Famosos”: “Está tudo a acontecer.” Mas com apenas 10% do parque automóvel, ainda somos uma bolha muito pequena”, nota Henrique Sánchez, e por isso é preciso acelerar. Porque 2035, “o ano em que deixam de se vender carros a combustão na Europa, é já daqui a nada”, repara o CEO da EDP, Miguel Stilwell d’Andrade. Mas para acelerar e aumentar o número de carros elétricos a circular — até porque o objetivo do Roteiro para a Descarbonização é ter todos os carros elétricos em 2050 — é preciso resolver alguns obstáculos que ainda desmotivam os consumidores a aderir à mobilidade elétrica.

É preciso expandir a rede de postos de carregamento. Neste momento temos uma média de 22 carros por posto, mas na Holanda, por exemplo, já são sete a cinco”, conta a CEO da EDP Comercial, Vera Pinto Pereira. Fonte do sector diz que podem ser precisos alguns incentivos do Governo, porque se trata de um investimento que as empresas têm de fazer num momento em que a procura ainda é baixa e também porque haverá sempre zonas menos procuradas mas que têm de estar servidas por este tipo de tecnologia. Aliás, de acordo com o secretário de Estado da Mobilidade, Eduardo Pinheiro, está previsto que até ao final do ano todos os municípios do país tenham postos de carregamento.

Segundo Miguel Eiras Antunes, responsável pela área de mobilidade na Deloitte, é preciso melhorar a tecnologia e o modo de pagamento dos carregadores, a autonomia das baterias, mas, acima de tudo, o preço dos carros. “Se queremos chegar à classe média, o preço tem de baixar. No mínimo, custam cerca de €20 mil, enquanto nos carros a combustão há preços a partir de €10 mil”, diz.

Depois há ainda que perceber se a rede aguenta o aumento do consumo ou como se resolvem os carregamentos nos prédios, mas o grande desafio é como acabar com a resistência que ainda existe em aderir à mobilidade elétrica. Então, como se convencem as pessoas? Pergunta o jornalista Ricardo Costa na conferência de arranque do projeto Carta Elétrica, que decorreu a 8 de setembro de 2021.

Experimentem. Façam um test drive de um ou dois dias e vejam como é. A realidade vai obrigar à mudança. Está claro para todos que o ambiente e as alterações climáticas são um acelerador da transição para os carros elétricos”, respondeu Henrique Sánchez, presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos.

O QUE SE SEGUE NA MOBILIDADE. O PRIMEIRO DEBATE
Francisco Pedro Balsemão, Miguel Stilwell d’Andrade e Vera Pinto Pereira antes do arranque da primeira conferência do projeto Carta Elétrica, que decorreu esta semana e contou ainda com Miguel Eiras Antunes, Eduardo Pinheiro e Henrique Sanchez
FOTO NUNO FOX


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