Artigo publicado no portal da revista O Instalador, a 2 de setembro de 2019. Henrique Sánchez, presidente do Conselho Diretivo da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE), analisa o panorama atual do mercado de carros elétricos no país.
Entre vários fatores, destaque para as vendas: têm-se registado aumentos muito significativos, na ordem dos três dígitos, colocando Portugal num lugar cimeiro a nível mundial.
Os veículos elétricos (VE) estão na moda, muito se tem falado sobre o carro elétrico, a pouca autonomia que têm hoje os veículos elétricos, o preço ainda demasiado caro de um VE, a falta de uma rede de carregamento, o que fazer às baterias em fim de vida num veículo elétrico, mas também no aumento exponencial das vendas, que já atingiram os 5% quando contabilizados os veículos 100% elétricos e os veículos elétricos híbridos plug-in, colocando Portugal no 5º lugar no total dos países da União Europeia (UE) ou no 7º lugar a nível mundial. De referir ainda as viagens cada vez mais distantes e prolongadas que os utilizadores de VE realizam.
Vejamos então qual o panorama atual da mobilidade elétrica em Portugal em todas estas vertentes atrás referidas.
A autonomia
Os carros elétricos atualmente já apresentam autonomias suficientes para 90% das necessidades do cidadão comum e das suas viagens diárias. Temos veículos elétricos com autonomias que já chegam aos 200km/300km, chegando alguns a ultrapassar os 400km/500km reais.
Alguns exemplos por ordem de posicionamento nas vendas em Portugal e as respetivas autonomias reais:
- Tesla Model 3 – cerca de 500 km
- Nissan Leaf – cerca de 250 km
- Renault Zoe – cerca de 260 km
- BMW i3 – cerca de 240 km
- Hyundai Kauai – cerca de 400 km
- Jaguar i-Pace – cerca de 380 km
Com estas autonomias os veículos elétricos, em geral, já satisfazem a generalidade das diferentes necessidades de uso de um automóvel, quer em pequenos viagens em áreas metropolitanas, para as quais já existe uma oferta de usados, com cerca de 100 km de autonomia e preços entre os 10.000€ e os 15.000€, quer em viagens mais longas onde é necessário ter autonomias mínimas acima dos 200 km, para as viagens não se tornarem desconfortáveis.
Os reis da autonomia são o Tesla Model 3 e o Hyundai Kauai (ver acima).
O preço
Quando compramos um veículo elétrico, ao sair do concessionário, todos sabemos que não teremos necessidade de lá voltar tão depressa, pois o custo total de operação do carro elétrico é substancialmente mais baixo do que o mesmo custo para um carro com motor de combustão interna. O motor elétrico tem muitíssimas menos peças em comparação com um motor de combustão interna, sem necessidade de sistemas de arrefecimento, filtros, juntas, óleos, etc., além do custo da eletricidade ser bem mais barato do que o da gasolina ou do gasóleo.
Custo para percorrer 100 km, para um carro médio com um consumo médio e preços médios da eletricidade, da gasolina e do gasóleo:
Ainda que tenha um custo de aquisição ligeiramente acima de um veículo com motor de combustão interna, esse diferencial é rapidamente recuperado através do custo de operação do veículo e dos benefícios a que um veículo elétrico pode aceder, como sejam, o incentivo do estado à aquisição de um VE, atualmente 3.000€ para um automóvel ligeiro de passageiros (se for uma mota elétrica 20% do valor até o máximo de 400€ e se for uma bicicleta elétrica 250€), a isenção do ISV (Imposto Sobre Veículos), a isenção do IUC (Imposto Único de Circulação, o chamado selo do carro), a descriminação positiva no estacionamento em inúmeras cidades do país (podendo ser completamente gratuito ou como no caso de Lisboa ter o custo de 12€/ano), descontos nas passagens do ferry boat para a Madeira, etc.
Portanto se olharmos apenas para o lado económico, compensa e muito. Só estou a abordar o custo para os particulares, pois as empresas têm ainda mais benefícios, começando logo pela recuperação do IVA. O carro elétrico é hoje, do ponto de vista económico, a melhor opção de compra.
A Rede de Carregamento
Apesar de um abrandamento durante o ano de 2018 e no início de 2019, podemos constatar um novo impulso atualmente que se materializa em mais de 100 Postos de Carregamento Rápido (PCR) já instalados, sendo que 70 estão ligados e a funcionar, 20 estão instalados mas ainda não ligados e 12 já têm a localização aprovada mas ainda não foram instalados.
Lista dos PCR disponíveis aqui. Praticamente todos os dias nos chegam notícias de novos postos, quer rápidos (PCR), quer normais (PCN) a serem instalados e/ou ligados. É expectável que esta lista aumente consideravelmente até ao final do ano em curso.
Estes três exemplos são de Postos de Carregamento Rápido (PCR), de três operadores diferentes, recentemente instalados e ainda não ligados, que vêm aumentar a atual Rede Pública de Carregamento. Em diversos estabelecimentos comerciais de norte a sul do país, contemplando grandes superfícies, centros comerciais, hóteis e restaurantes, reforçando assim a capilaridade de toda a rede de carregamento a nível nacional. No entanto a grande vantagem do veículo elétrico, é que posso carregá-lo em casa como o faço com um vulgar telemóvel ou um tablet (desde que tenha condições para o fazer, isto é garagem própria ou condições num condomínio que o permitam). Aqui sim estamos a utilizar eletricidade produzida por fontes renováveis, em Portugal tal já acontece em cerca de 50% da eletricidade produzida, e o carro carrega quando estamos tranquilamente a dormir. Toda a eletricidade que é produzida durante a noite pelos parques eólicos (o vento quando sopra, tanto sopra de dia como de noite) e que atualmente é desperdiçada na rede, devido à menor procura, com estes carregamentos noturnos é armazenada nas baterias dos veículos elétricos.
Baterias em fim de uso num veículo elétrico
Quando uma bateria deixa de ser eficiente num veículo elétrico, pode ser utilizada como bateria estática para armazenamento de eletricidade produzida por sistemas fotovoltaicos. O exemplo mais conhecido é o da Arena de Amsterdão, o estádio onde joga a equipa de futebol do Ajax, que instalou 280 packs de baterias usadas, com capacidade de armazenamento de 4 MW, dos Nissan Leaf, dando-lhes assim uma segunda utilização.
Em Portugal também já temos uma instalação com o aproveitamento de baterias de veículos elétricos. Estas baterias de lítio quando deixam de poder ser usadas nos veículos elétricos ou nos veículos elétricos híbridos plug-in, ainda conservam cerca de 70% da sua capacidade energética, permitindo a sua utilização como unidades estacionárias de armazenamento de energia. Este primeiro sistema foi instalado na sede da ACAP/Valorcar, em Lisboa, através de uma parceria com a Zeev, que instalou um conjunto de 62 painéis fotovoltaicos, que armazenam a eletricidade produzida nas baterias reutilizadas. Este sistema é capaz de produzir cerca de 32 MWh de energia limpa, quer para suprir o consumo nas instalações, quer para carregar veículos elétricos através de um carregador duplo de 22 kW também instalado.
Estas soluções permitem dar uma segunda vida, calculada em cerca de 20 anos, às baterias dos VE antes de serem totalmente recicladas, fechando assim o seu ciclo de vida. Em Lisboa o Teatro Camões também assinou uma parceria com a Nissan para instalar um sistema semelhante usando baterias usadas dos Nissan Leaf.
Vendas de veículos elétricos em Portugal
Têm-se registado aumentos muito significativos, na ordem dos três dígitos, colocando Portugal num lugar cimeiro a nível mundial. As vendas do passado mês de julho são disso um exemplo com os veículos 100% elétricos a registarem a venda de 436 unidades e um acumulado desde o início do ano de 4.341 viaturas 100% elétricas vendidas. De janeiro a julho de 2019 venderam-se mais automóveis ligeiros de passageiros 100% elétricos do que em todo o ano de 2018.
A estrela nas vendas, em Portugal e um pouco por todo o mundo, é o Tesla Model 3, que é, pelo quinto mês consecutivo, o veículo 100% elétrico mais vendido em Portugal.
Viagens e mais viagens, km e mais km, em VE
Cada vez são mais os exemplos de viagens cobrindo distâncias cada vez maiores utilizando veículos exclusivamente elétricos. Neste verão realizei uma viagem de 9.436 km, atravessando 9 países, Portugal, Espanha, França, Bélgica, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Suécia e Noruega, num automóvel 100% elétrico, um Tesla Model 3, tendo carregado sempre nas Estações de SuperCarregadores da Tesla (SuC).
Quando algumas vozes se levantam contra os veículos elétricos em particular e a mobilidade elétrica em geral, insistindo no mito de que são carros citadinos que não servem para viagens, que são carros ainda muto limitados, estas viagens percorrendo cada vez maiores distâncias, são a melhor resposta e servem para desfazer esses mitos.
Claro que é possível.
É a mobilidade elétrica.