Hidrogénio? Não, Obrigado!

Artigo publicado na edição nº41 da revista Blueauto de março de 2021, sobre a comparação entre a produção, transporte e utilização de eletricidade para carregamento de baterias de Veículos Elétricos e a produção, transporte, armazenagem e utlização de hidrogénio para abastecimento de veículos com pilha de combustível, a hidrogénio.


Henrique Sánchez
Presidente do Conselho Diretivo da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos
Artigo Mensal de Opinião na Revista Blueauto


O hidrogénio está na “moda”. Fala-se que será o grande investimento no processo de descarbonização em curso – a transição energética. Mas qual a sua efetiva e eficiente aplicação na eletrificação na mobilidade ligeira dos humanos?
Não faz qualquer sentido complicar o que é simples! No que diz respeito à mobilidade ligeira, de automóveis ligeiros de passageiros e ligeiros de mercadorias, bem como para algum transporte pesado de passageiros e de mercadorias que não envolvam grandes viagens, a solução é claramente os veículos a bateria (100% elétricos).

Em 2006 tive a oportunidade de me deslocar a Long Beach, na Califórnia, para assistir à Conferência Anual do Hidrogénio nos Estados Unidos da América (NHA – Annual Hydrogen Conference 2006). Esta Conferência tinha como grande objetivo o lançamento do veículo elétrico a pilha de combustível, na altura denominado FCHV (Fuel Cell Hybrid Vehicle – Veículo Híbrido a Pilha de Combustível), sendo que hoje a sua denominação é, FCEV (Fuel Cell Electric Vehicle – Veículo Elétrico a Pilha de Combustível).

A Honda era a grande dinamizadora deste tipo de veículos a hidrogénio e tinha distribuído cerca de 600 viaturas a famílias californianas para monitorização de consumos, trajetos, autonomias, poupanças, recarregamentos de hidrogénio, etc.

Estavam em exposição e disponíveis para test drive várias marcas e modelos de automóveis movidos a hidrogénio, que tive a oportunidade de experimentar pelas ruas de Long Beach, desde a Honda, a Nissan, a Mercedes-Benz, a Audi, a Toyota, a General Motors, etc. Eram veículos elétricos com todas as vantagens que lhes conhecemos: silêncio, suavidade, ausência de emissões de CO2 ou de quaisquer gases nocivos para a saúde pública, eficientes e económicos, mas, no entanto, com inúmeros problemas quando analisamos a produção, o transporte e o armazenamento do hidrogénio, como descreverei mais adiante.

Também estava presente uma empresa inglesa, a Intelligent Energy, com uma proposta de moto a hidrogénio, uma aposta absolutamente revolucionária na altura, que acabou por nem sequer nascer para a produção em série, pelas mesmas razões que referi anteriormente.

As conclusões finais da Conferência foram, no essencial, que os custos de produção, distribuição e armazenamento do hidrogénio eram incomportáveis para a economia norte-americana. Só o custo de infraestruturar todo o território dos Estados Unidos da América com um sistema de distribuição de hidrogénio, só por si, inviabilizava esta opção. O que era para ter sido o lançamento em força da opção hidrogénio para os veículos elétricos ligeiros acabou por ser o seu fim.


Nascia, de seguida, a opção do veículo elétrico a bateria, após várias tentativas durante todo o século XX, que não singraram pelo estado de desenvolvimento tecnológico das próprias baterias, pela oposição e combate por parte das grandes empresas ligadas aos combustíveis fósseis e pela resistência ativa da indústria automóvel à época.

Enterrado o automóvel a hidrogénio, surgiram os primeiros passos da eletrificação dos automóveis ligeiros de passageiros, com o nascimento da Tesla e o lançamento dos primeiros modelos de produção em série para venda ao comum dos cidadãos: o Nissan Leaf, o Mitsubishi i-MIEV e o Renault Fluence, todos veículos 100% elétricos a bateria.

Então, porque é que o hidrogénio é um contra senso que se quer recuperar agora para a mobilidade ligeira e alguma mobilidade pesada para atividade urbanas e metropolitanas?

Este é, em resumo, o trajeto do hidrogénio desde a sua produção até à sua utilização como energia propulsora no veículo elétrico:

Sempre privilegiando a produção de eletricidade através das energias renováveis, seja a solar fotovoltaica, a eólica, a hídrica ou até a geotérmica (por exemplo, no caso dos Açores), o processo é complexo e dispendioso, obrigando à criação de redes de distribuição, transporte e armazenamento que necessitam de grandes investimentos e, muito provavelmente, de transporte rodoviário utilizando combustíveis fósseis.

Por comparação, esta é a solução do veículo elétrico a bateria, que é a opção mais eficiente, sustentável, segura e economicamente mais sensata, e de fácil realização prática pois já existe uma rede generalizada de distribuição de energia elétrica:

Privilegiando a eletricidade produzida por energias renováveis, todo o processo é muito mais simples e com a enorme vantagem de que toda a infraestrutura de distribuição de eletricidade já existe.

Uma imagem das duas opções para melhor se identificar as vantagens do automóvel elétrico a bateria em relação ao automóvel elétrico a pilha de combustível (hidrogénio):

Não compliquemos o que já existe e é simples, fácil e económico para o utilizador final de um veículo elétrico, podendo e devendo ainda ser mais útil e acelerador da eletrificação da mobilidade dos humanos e da transição energética produzindo cada vez mais eletricidade a partir de fontes renováveis.

Acresce que num automóvel 100% elétrico com baterias, é possível carregá-lo nas nossas casas, sempre que tal seja possível: numa moradia, num condomínio com garagem ou mesmo no local de trabalho com parqueamento, o automóvel a pilha de combustível (hidrogénio) só será possível recarregá-lo numa estação apropriada para o efeito.

Será então de equacionar para os automóveis ligeiros de passageiros ou de mercadorias, ou mesmo para os pesados de passageiros e de mercadorias em ambiente urbano e mesmo metropolitano, o uso do hidrogénio? Não Obrigado!

Lisboa, 1 de março de 2021
Henrique Sánchez


Consulte a edição digital da Revista Blueauto, nº 41

Artigos relacionados


Vendas de automóveis ligeiros de passageiros em 2020 por tipo de energia

Artigo publicado na revista Blueauto nº 40, de fevereiro de 2021.


Veículos Elétricos, Balanço das Vendas em 2020

Artigo publicado na revista Blueauto nº 39, de janeiro de 2021.