PLANETA TERRA

Uma das consequências mais faladas da pandemia é a regeneração que o Planeta está a atravessar. Eduardo Rêgo, responsável pela versão portuguesa dos programas Vida Selvagem e O Nosso Mundo (de que é também locutor), e fundador do movimento Loving The Planet, e Henrique Sánchez, Presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos, ambos moradores do Parque das Nações, falam sobre esta tão importante questão.


Texto e imagem: Jornal Notícias do Parque, nº 113, maio 2020


O ESSENCIALISMO
Por: Eduardo Rêgo

Se reparar, há uma similaridade quase umbilical entre uma criança e a natureza. Da primeira, o poeta disse: “Grande é a poesia, a bondade e as danças, mas o melhor do mundo são as crianças.” Sobre a segunda, não tenho dificuldade em afirmar que, em toda a criação, não há refúgio melhor e mais belo que a natureza. É um colo para os nossos devaneios e desvarios. É nela que mora o equilíbrio, é lá que brota a paz que procuramos.

A nossa criança interior sente-se em casa, quando mexe na terra, e, como por magia, volta a balbuciar anseios de felicidade, essa utopia doce que nos acompanha até à morte. Junho é um mês bonito: tem sol a rodos; proliferam as aguarelas de campos em flor; há espelhos de água a brilhar no solo. É nesta moldura que as feromonas dão largas à imaginação. Apetece sair de casa e namorar tudo o que desperta os sentidos. CRIANÇA E AMBIENTE – Duas realidades que junho celebra e que apetece pôr na mesma taça. Como toda a cria que se debate no cenário da sobrevivência, a criança é a preciosa reedição da esperança humana num tempo novo. E tudo acontece no palco da natureza. Até à chegada do redondo 2020, os jornais e televisões falavam da poluição desenfreada que quase levou o Planeta a um ponto de não-retorno. A incerteza tomou conta do futuro: acentuou-se a extinção das espécies, o mar tornou-se a lixeira dos nossos comportamentos; a produção absurda de CO2 fez escurecer o planeta azul. E eis senão quando… Alguém suspeitava que, de repente e pela primeira vez na história, o SINAL – passaria a VALER +? MUITO MAIS? IRONICAMENTE, é isso que está a acontecer. O insidioso e maléfico “vírus-coroado” está a varrer a face da Terra. Não sabemos se mora num botão de elevador ou num corrimão de escada.

Sabemos tão só que é da estirpe dos malfeitores e que mata pela calada. No meio do consumismo absurdo, fez-nos regressar a casa e virar para dentro. A geração cativa do prazer parou… e pôs o foco no SER. E vejamos o quadro do confinamento: a par do lixo ambiental, estamos a dar-nos conta do gigantesco ATERRO EMOCIONAL que leva mais de 80% das pessoas a não saber gerir o tédio, o medo, as contrariedades que foram sempre o sal da vida. Quem lhes dirá que o que dói pode ser a melhor cura para os seus males? Faltam ecos desta pedagogia. O homem vai ter de adotar as normas do ESSENCIALISMO ou então não aprendeu a lição. O único ser que pensa e que sabe pensar está numa encruzilhada que o obriga a decidir entre o rebanho e a consciência.

Saint-Exupéry pôs, na boca do Principezinho, uma verdade eterna:
O ESSENCIAL É INVISÍVEL AOS OLHOS!


O homem vai ter de adotar as normas do ESSENCIALISMO ou então não aprendeu a lição. O único ser que pensa e que sabe pensar está numa encruzilhada que o obriga a decidir entre o rebanho e a consciência.


Henrique Sánchez e Eduardo Rêgo


TERRA 2.0 e a Mobilidade Elétrica
Por: Henrique Sánchez

A atual pandemia gerada pela doença covid-19 provocada pelo corona vírus SarsCov2, veio como que mostrar um cartão amarelo a toda a Humanidade, sobre o caminho insustentável que estávamos a percorrer. É um sério aviso e todos sabemos que continuando neste caminho de exploração de recursos finitos e não renováveis, de crescimento contínuo e acelerado, de consumismo excessivo de bens e equipamentos supérfluos; o próximo será o cartão vermelho, pondo em sério risco o futuro de toda a Humanidade.

Na sequência da paragem brutal que as atividades humanas estão a provocar na economia e, consequentemente, nas cidades, nos transportes (aéreo, marítimo e terrestre), assim como os seus efeitos na redução dos níveis de poluição atmosférica e sonora das grandes áreas metropolitanas tem-nos permitido constatar, em pouco mais de dois meses:

  • A queda abrupta das vendas de automóveis ligeiros (84.8%), sendo que os veículos elétricos resistiram à hecatombe, registando uma queda de apenas 35.4%;
  • A paragem quase total da aviação comercial. Cerca de 90% dos aviões estão em terra;
  • A paragem total dos navios de cruzeiro e a redução dos navios de carga;
  • A redução em cerca de 80% de todos os transportes rodoviários;
  • A interrupção da atividade industrial em cerca de 50%;
  • A queda brutal do consumo de bens não essenciais.

Esta travagem brusca de toda a economia mundial, com mais de 1.000.000.000 (mil milhões) de seres humanos recolhidos nas suas casas, também permitiu, que a fauna e a flora avançassem para terrenos antes ocupados pelos humanos.

O retorno da Natureza

Inicialmente, foi registado o regresso de patos, ovelhas, javalis e peixes. Recentemente, registou-se a presença urbana de ursos, cangurus, veados, coiotes e muitas outras espécies.

Todos podemos confirmar como o ar está mais limpo. Quando não existem nuvens é notória a vivacidade do azul do céu ou à noite a visibilidade das estrelas. As cores, em geral, estão mais vivas. O silêncio das cidades só é quebrado pelo constante chilrear dos pássaros um pouco por todo o lado.

Temos tido mais tempo para refletir sobre o caminho que nos trouxe até aqui. Deparámo-nos com uma sociedade profundamente desigual, injusta, com ênfase no fútil, no efémero, no descartável, na perda de valores e na ganância pelo lucro fácil e rápido.

Sendo esta uma situação insustentável, ela permite-nos pensar no futuro. Em que sociedade queremos viver, e o que podemos fazer para participar nessa mudança?

A poluição atmosférica e a Covid-19

Há vários estudos que têm sido divulgados, quer nacional quer internacionalmente, que relacionam a maior incidência dos casos de covid-19 com a poluição atmosférica.

Face à comprovação inequívoca de que a redução drástica do tráfego urbano rodoviário e aéreo (face à proximidade dos aeroportos às grandes urbes metropolitanas), a qualidade do ar melhorou como nunca tínhamos constatado.

Podemos antecipar o que serão as cidades exclusivamente com carros elétricos, motas elétricas, autocarros elétricos, enfim, com todos os meios de transporte eletrificados, quer coletivos quer individuais, quer públicos quer particulares e também com um significativo aumento na utilização dos meios de mobilidade suave como sejam as trotinetes e as bicicletas com ou sem assistência elétrica.

As cidades serão silenciosas e sem poluição atmosférica, com muito menos tráfego, fruto das várias soluções de teletrabalho e de teleensino, que muitos de nós já estamos a viver, com a alternância dos horários de trabalho na indústria, no comércio, no ensino, nos serviços públicos e privados, mas também das inúmeras reuniões que podem ser efetuadas sem a nossa presença física.

O que pouparíamos em viagens e em tempo desperdiçado? E aqui falamos também de reuniões internacionais das empresas mas também das instituições. Quantas toneladas de CO2 serão evitadas? Quanto tempo nos sobrará para mais trabalho, mas também para mais lazer e mais família?

TERRA 2.0

Urge a eletrificação de todos os meios de transporte rodoviário, dar primazia à rede ferroviária elétrica e de alta velocidade para viagens continentais em detrimento das viagens aéreas altamente poluentes, que ficariam reservadas para os percursos intercontinentais. As verbas destinadas às grandes obras aeroportuárias (ampliações dos aeroportos existentes e novos aeroportos) devem ser canalizadas, de imediato, para a infraestrutura ferroviária de alta velocidade. Não tenhamos ilusões que a atividade aérea não voltará a ser o que foi, até por motivos de saúde pública.

Localmente, as autarquias devem avançar para a eletrificação das suas redes de transportes públicos, ou quando essas redes forem privadas avançarem com prazos para a sua efetivação pelas empresas concessionárias.

O acesso aos centros das grandes cidades deve ser restringido. Lisboa já aprovou restrições aos veículos com motores de combustão interna, quer sejam a gasóleo ou gasolina, para garantir a qualidade do ar aos seus habitantes, trabalhadores e visitantes. É a ZER – Zona de Emissões Reduzidas, ABC – Avenida, Baixa, Chiado, que deverá ser implementada até ao final do corrente ano, tendo sofrido algum atraso fruto da paragem devido ao estado de emergência que vigorou durante várias semanas.

Devem ser fomentados todos os projetos e iniciativas para o fabrico de veículos elétricos em Portugal, bem como de fábricas de baterias, para veículos elétricos.

De registar que a Junta de Freguesia do Parque das Nações foi das primeiras autarquias em Portugal a adquirir viaturas 100% elétricas, duas Renault Kangoo, já no ano de 2015. Toda a produção de eletricidade verde através de painéis fotovoltaicos, a criação de parques eólicos e geotérmicos deve ser incentivada e desburocratizada, quer para particulares com autoconsumo em casa e no veículo elétrico, quer a nível empresarial.

Há cerca de dois meses que produzimos eletricidade sem carvão em Portugal, esta mudança significa menos um milhão de toneladas de CO2 emitidos para a atmosfera. As centrais termoelétricas de Sines e do Pego estão paradas! A central de Sines parou a produção desde o dia 26 de janeiro e a central do Pego desde o dia 14 de março. Esta é a prova definitiva de que Portugal pode passar para a utilização de energias renováveis, sem comprometer o abastecimento de eletricidade.

Urge a antecipação do encerramento das centrais termoelétricas em Portugal. O plano do Governo, relativamente à descarbonização previu inicialmente o abandono do carvão até 2029, e embora este prazo tenha sido reduzido para 2023, hoje temos a prova de que podemos, em segurança, antecipar ainda mais esse prazo e transitar para uma economia mais sustentável, mais rapidamente. Recordamos que a central a carvão do Pego (da Tejo Energia, empresa da Trustenergy e da Endesa) tem o encerramento previsto para 2021, e a central a carvão da EDP em Sines, tem o fecho apontado para 2023.


Não queremos voltar à “normalidade” pois foi essa mesma “normalidade” que nos trouxe até aqui.
Queremos e devemos reiniciar:
TERRA 2.0!


Vamos acelerar o cumprimento dos objetivos dos acordos, dos programas e das diretivas com as quais o governo português se tem comprometido:

  • Acordo de Paris – COP21 (2015)
  • Roteiro para a Neutralidade Carbónica – RNC2050 (2017)
  • Pacto Ecológico Europeu – European Green Deal (2019)

Este novo coronavírus, o SarsCov2, que provoca a doença pandémica covid-19, pode servir-nos como alerta e aviso para os perigos e ameaças, que nos iriam atingir e pôr em causa o futuro das novas gerações, se persistíssemos no caminho em que estávamos. Aproveitemos esta época de enorme privação como uma oportunidade para avançarmos para um reinício, e mudarmos para comportamentos mais sustentáveis.

Está nas mãos de cada um de nós fazê-lo! Vamos reiniciar?

Por uma TERRA 2.0!

Pela eletrificação de todos os meios de transporte!
Por cidades mais amigas das pessoas e do ambiente!
Pela descarbonização da economia!
Por uma economia mais sustentável!
Pela nossa saúde!
Por um futuro sustentável para os nossos filhos!
Não existe um planeta B!